CRISE DOS CAMINHONEIROS EXPÕE HISTÓRICA DEPENDÊNCIA DO BRASIL NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO

CRISE DOS CAMINHONEIROS EXPÕE HISTÓRICA DEPENDÊNCIA DO BRASIL NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO

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Ao longo da última semana, o medo da falta de alimentos, combustíveis e transporte público tirou o sossego de parte da população, alterando a rotina das cidades e afetando diversos setores. Com milhares de caminhões carregados parados ao longo das rodovias, ficou evidente a dependência do país em relação ao transporte rodoviário.

Dependência que especialistas afirmam revelar outros graves problemas estruturais, como a falta de um plano de contingência que evite a asfixia da atividade produtiva e impeça o apagão logístico ante uma greve de caminhoneiros.

Para a superintendente da Associação Nacional dos Transportes de Passageiros Sobre Trilhos (ANPTrilhos), a economista Roberta Marchesi, e a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ceri), Joisa Dutra, alguns dos atuais gargalos da infraestrutura de transporte nacional são reflexos da opção feita pelo Estado brasileiro na década de 1950, quando os governantes decidiram priorizar investimentos na indústria automobilística. Consequentemente, recursos públicos dos três níveis de governo foram quase que integralmente canalizados para a ampliação da malha rodoviária, em detrimento dos transportes por ferrovia e hidrovia.

De acordo com José Augusto Valente, ex-secretário nacional de Políticas de Transportes (2004-2007), a lógica do transporte de cargas rodoviário costuma ser para distâncias de até 400 quilômetros, deixando para distâncias mais longas o uso do trem. Porém, essa lógica não se aplica no Brasil justamente por não haver muitas ferrovias disponíveis.

Com malha ferroviária para cargas e passageiros que não ultrapassa 30 mil quilômetros, o Brasil está atrás, inclusive, da Argentina. Com um território de 2,7 milhões de quilômetros quadrados (equivalente à soma dos territórios do Amazonas e do Pará), o país vizinho conta com 36.917 quilômetros de trilhos. Já os Estados Unidos dispõem de uma malha ferroviária de cerca de 294 mil quilômetros. Mesmo a Índia, com quase metade do brasileiro, possui mais de 68 mil quilômetros de trilhos.

A crise que estamos assistindo é, em grande parte, fruto do caos logístico decorrente da concentração do transporte de cargas e de passageiros em um único modal”, disse Roberta Marchesi.

Integração de modais

Pós-graduada nas áreas de planejamento e logística, Marchesi aponta os riscos da dependência de atividades econômicas brasileiras num único modal.

Se tivéssemos uma malha ferroviária e estes alimentos e combustíveis pudessem ser levados até os centros urbanos por trens, minimizaríamos o impacto desta crise. Nosso desenvolvimento não pode estar estruturado sobre um único modal.”

Divisão do modal do transporte de carga no Brasil. Dados de 2015 (Fonte EPL – Empresa de Planejamento e Logística)
A unidade TKU refere-se a “Toneladas por Quilômetro Útil”. É uma unidade que mensura o esforço físico. A produção em TKU é obtida multiplicando-se a tonelagem transportada pela distância percorrida.

Para Joisa Dutra, ao mesmo tempo em que torna imprescindível a elaboração de um plano anticrise, a concentração do transporte de passageiros e de cargas em um único modal dificulta a execução deste mesmo plano de contingência. A diretora do Ceri também defende a ampliação da malha ferroviária e a integração entre os diferentes meios de transporte.

Sob determinadas condições, o [investimento no] modo ferroviário seria desejável. Não só isso. Seria necessária uma maior integração [da infraestrutura de transportes], o que envolve uma combinação de modais”, defendeu Dutra.

Projeto de Estado

De acordo com Marchesi, os projetos de ferrovia e hidrovia são de longo prazo e exigem continuidade entre governo sucessivos.

Seriam necessários projetos de Estado. Um plano de desenvolvimento estruturante que transcendesse os mandatos políticos”, comentou.

Segundo ela, apenas 6% dos deslocamentos diários de passageiros são feitos por trens, metrôs, VLT ou outros modais sobre trilhos.

Os governantes preferem investir em empreendimentos que possam ser inaugurados dentro dos seus quatro anos de governo. Neste espaço de tempo não é possível começar do zero. Não há como inaugurar um sistema completo, a menos que ele já estivesse estruturado e com projeto pronto. Marchesi, também criticou as “soluções imediatistas que não respondem às reais demandas das cidades e de seus cidadãos.”

Marchesi compara com a infraestrutura dos países mais ricos, quando se trata do transporte urbano. Segundo ela, o metrô de São Paulo percorre aproximadamente 74 quilômetros de trilhos, o de Nova York quase 400 quilômetros.

Mesmo em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, a participação do transporte metroferroviário não ultrapassa 20% do total de viagens de passageiros.

Em países desenvolvidos que mantiveram investimentos na indústria ferroviária, esses deslocamentos chegam a 45% do total de viagens. Ainda temos muito o que avançar”, disse a superintendente.

Ao tomar posse hoje, o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Ronaldo Fonseca, disse que o governo planeja três leilões de ferrovias ainda este ano. Fonseca afirmou que o Brasil precisa acabar com a dependência do transporte rodoviário.

O segundo semestre será o momento das ferrovias no Brasil”, disse Fonseca.

Meio Info / Agência Brasil / Rede Brasil

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