39 esqueletos humanos, com idades entre 8 mil e 11 mil anos foram descobertos em uma pequena caverna do sítio arqueológico Lapa do Santo, no município de Matozinhos, região metropolitana de Belo Horizonte.
Esses são os ossos mais antigos já descobertos no Brasil e estão ajudando a redefinir o que se sabia sobre os primeiros brasileiros. Eles revelam que, ao contrário do que se pensava até agora, os povos que viviam no local naquela época eram complexos e tinham práticas funerárias altamente elaboradas.
A descoberta é resultado do trabalho de pesquisa interdisciplinar chamado “Morte e vida na Lapa do Santo: uma biografia arqueológica dos povos de Luzia“, coordenado pelos pesquisadores André Strauss, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), e Rodrigo de Oliveira, do Instituto de Biociências (IB), ambos da Universidade de São Paulo (USP). O projeto tem como objetivo entender como viviam as populações que estavam no Brasil central durante o Holoceno Inicial, período geológico que começou há 11.500 anos e se estende até o presente.
De acordo com o arqueólogo Strauss, os esqueletos encontrados eram de crianças, idosos, homens e mulheres.
Todos tinham sinais de rituais mortuários. Alguns estavam queimados, outros pintados de vermelho e alguns combinavam crânios de crianças com corpos de adultos, ou dentes de uma pessoa com a arcada de outra. O que chamou a atenção também é que esses sinais variavam dependendo da idade arqueológica dos ossos. Isso pode significar que os povos que habitavam a região alteraram sua forma de tratar os corpos dos mortos ao longo do tempo. Essa descoberta é inédita na arqueologia brasileira”, diz o arqueólogo.
A região onde trabalham os arqueólogos, Lagoa Santa, está entre as mais ricas em restos de culturas pré-históricas do Brasil. Ali, dezenas de sítios arqueológicos vêm sendo escavados e pesquisados desde 1843, quando o naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880), considerado o pai da paleontologia brasileira, descobriu ossadas humanas misturadas com as de animais já extintos. Desde então, centenas de crânios e outros ossos humanos foram desenterrados do local.
Entre eles, o mais antigo de que se tem registro no Brasil, com 11.300 anos, descoberto em 1974, pela arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire, no sítio chamado Lapa Vermelha 4, que fica no município de Pedro Leopoldo. Como era de um indivíduo do sexo feminino, o esqueleto foi batizado de Luzia pelo bioantropólogo Walter Alves Neves, também da USP, que foi orientador de Strauss e Oliveira, que agora dão continuidade ao seu trabalho.
Práticas funerárias surpreendentes
As escavações realizadas até agora já revelaram vários aspectos dos grupos que eram desconhecidos até agora.
Apesar das centenas de esqueletos exumados em Lagoa Santa em quase dois séculos de pesquisa, muito pouco foi discutido em relação às práticas funerárias na região.
De acordo com as poucas descrições disponíveis na literatura, elas sempre foram caracterizadas como simples e homogêneas, incluindo apenas enterros primários de um único indivíduo e sem nenhum tipo de acompanhamento funerário”, diz Strauss.
As descobertas de Strauss e Oliveira mudam radicalmente esse quadro. De acordo com eles, os sepultamentos da Lapa do Santo tinham uma alta variabilidade, o que contradiz a visão tradicional sobre as práticas mortuárias na região.
Além dessa retificação histórica, a diversidade delas no local ganha relevância, porque contraria a homogeneidade de outros componentes do sítio, tais como os artefatos de pedra, os remanescentes faunísticos, a morfologia craniana e a própria composição da matriz sedimentar.”
Segundo Strauss, os sepultamentos também permitem inferir que ao longo do Holoceno Inicial grupos distintos que, possivelmente, não se reconheciam como parte de um mesmo povo habitaram a região.
Na ausência de mais datações diretas para os esqueletos, não é possível descartar a hipótese de que, em um mesmo momento, diferentes povos tenham ocupado a região”, acrescenta.
Em resumo, ele diz que é possível que, durante o Holoceno Inicial, não tenha existido “um único ‘povo de Luzia'”, expressão cunhada por Walter Neves para se referir aos grupos humanos que habitaram a região de Lagoa Santa na época, “mas sim muitos ‘povos’ e muitas ‘Luzias’, cada um único em suas idiossincrasias simbólicas, culturais e, por que não, linguísticas“.
Assim, o registro funerário da Lapa do Santo contribui para retratar uma pré-história plural e dinâmica, onde a diversidade é a regra e elemento interpretativo fundamental”, conclui o arqueólogo.
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