A China revelou em dezembro de 2020 seus planos para expandir drasticamente um programa experimental de modificação do clima, que cobrirá uma área de mais de 5,5 milhões de quilômetros quadrados (área com o mesmo tamanho da Amazônia), ou mais de 1,5 vezes o tamanho total da Índia, seu país vizinho.
De acordo com uma declaração do Conselho de Estado chinês:
A China terá um sistema de modificação e desenvolvimento do clima até 2025, graças aos avanços em pesquisas fundamentais e tecnologias-chave, bem como melhorias na “prevenção abrangente contra riscos de segurança”
Nos próximos anos, a área total coberta por chuva ou neve artificiais chegará a 5,5 milhões de km2, enquanto mais de 580.000 km2 serão cobertos por tecnologias de supressão de granizo. O comunicado acrescentou que o programa ajudará no socorro a desastres, produção agrícola, respostas emergenciais a incêndios florestais e pastagens e no enfrentamento de altas temperaturas ou secas.
A China há muito tempo busca controlar o clima para proteger áreas agrícolas e garantir céu limpo para eventos importantes – ela semeou nuvens antes das Olimpíadas de Pequim de 2008 para reduzir a poluição e evitar a chuva antes da competição. As principais reuniões políticas realizadas na capital chinesa são notórias por desfrutar de um belo céu claro, graças às mudanças climáticas (artificiais) e ao fechamento de fábricas próximas.
Como conceito, a semeadura de nuvens existe há décadas. A técnica consiste em injetar pequenas quantidades de iodeto de prata em nuvens com muita umidade, que então se condensa em torno das novas partículas, tornando-se mais pesadas e eventualmente caindo como precipitação (chuva).
Um estudo financiado pela US National Science Foundation, publicado no início de 2020, descobriu que a semeadura de nuvens pode aumentar a queda de neve em uma ampla área se as condições atmosféricas forem favoráveis. O estudo foi um dos primeiros a determinar definitivamente que a semeadura de nuvens funcionava, pois anteriormente era difícil distinguir a precipitação gerada como resultado da prática da neve normal.
Mesmo antes desse estudo, a incerteza não impediu a China de investir pesadamente em tecnologia: entre 2012 e 2017, o país gastou mais de 1,34 bilhão de dólares em vários programas de modificação do clima. Em 2019, de acordo com a agência de notícias estatal Xinhua, a modificação do clima ajudou a reduzir 70% dos danos causados pelo granizo na região oeste da China, uma importante área agrícola.
E embora outros países também tenham investido na semeadura de nuvem, incluindo os EUA, o entusiasmo da China pela tecnologia criou algum alarme, especialmente na vizinha Índia, onde a agricultura é fortemente dependente da monção (período caracterizado por fortes chuvas), que já foi interrompida e se tornou menos previsível como um resultado das mudanças climáticas ocasionadas pela China.
Índia e China se enfrentaram recentemente ao longo de sua fronteira compartilhada – e acaloradamente disputada – no Himalaia, com os dois lados envolvidos em seu confronto mais sangrento em décadas no início deste ano. Durante anos, alguns na Índia têm especulado que a modificação do tempo poderia dar à China a vantagem em um conflito futuro, dada a importância das condições para quaisquer movimentos de tropas na região de montanhas inóspitas.
Embora o foco principal da modificação do clima em Pequim pareça ser doméstico, os especialistas alertaram que há potencial de impacto além das fronteiras do país.
Em um artigo de 2017, pesquisadores da National Taiwan University disseram que:
A falta de coordenação adequada da atividade de modificação do clima poderia levar a acusações de ‘roubo de chuva’ entre regiões vizinhas, tanto na China quanto em outros países.
Eles também apontaram para a falta de um sistema de freios e contrapesos para facilitar a implementação de projetos potencialmente controversos:
As evidências científicas e as justificativas políticas para a modificação do clima não estão sujeitas a debate ou ampla discussão (na China). Além disso, a propensão da liderança para a intervenção tecnológica em domar diferentes sistemas climáticos raramente é desafiada por pontos de vista alternativos”, escreveram os autores.
Alguns especialistas especularam que o sucesso na modificação do clima poderia levar a China a adotar projetos de geoengenharia mais ambiciosos, principalmente porque o país sofre os efeitos das mudanças climáticas. Soluções radicais como semear a atmosfera com partículas reflexivas poderiam teoricamente ajudar a reduzir as temperaturas, mas também poderiam ter grandes consequências imprevistas, e muitos especialistas temem o que poderia acontecer se um país experimentasse tais técnicas.
Sem regulamentação, os esforços de um país podem afetar outros países. Embora a China ainda não tenha mostrado sinais de implantação ‘unilateral’ de projetos de geoengenharia no terreno, a escala de sua modificação do clima e outros projetos de engenharia massivos, incluindo projetos de mega represas (como as Três Gargantas), sugere que a China está disposta a implantar esquemas de geoengenharia em grande escala para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e atingir seus objetivos em Paris”, disse Dhanasree Jayaram, especialista em clima da Manipal Academia de Educação Superior, em Karnataka, Índia.